Para mim infância era infância, brincadeira era brincadeira e pouca coisa eu leva a sério, à exceção das minhas próprias brincadeiras. Por isto, meu nome tinha que ser dito ao contrário Orteip, assim como o da minha irmã Anailuj. Nomes herdados da leitura escolar obrigatória d’O Menino no Espelho de Fernando Sabino – um livro infantil maravilhoso que não li quando pequeno, mas o fiz depois de mais de 25 anos, noite após noite, para minha filha enquanto ela pegava no sono.
E foi na época do Orteip, quando eu tinha 11 anos, que conheci um suíço muito elegante e culto, fluente em vários idiomas e que estava trabalhando para o seu país bem aqui no Brasil. Ele havia se apaixonado pela minha mãe e dessa paixão nasceu meu primeiro irmão. O suíço tinha hábitos alimentares muito diferentes dos nossos, fato que nunca lhe rendeu nem um quilo a mais ou a menos do seu peso original.
Sua alimentação saudável tinha como café da manhã Miusly e na refeição do almoço ou da noite era comum comermos salsichão com uma batata maravilhosa que até hoje me dão água na boca só de lembrar. Tudo feito pelo suíço era totalmente novo. O Miusly era uma espécie de salada de frutas com granola, iogurte e aveia, até hoje repetida pela minha mãe. Aqueles sabores do salsichão (que podia ser vitela ou tradicional) ainda são possíveis de reviver adquirindo-os em um restaurante alemão em Brasília na 405 Sul. Hoje sei que a batata de acompanhamento (batata rostï) era semi-cozida e frita em uma grande panela internacional com azeite, uma delícia totalmente diferente à minha época. Em breve irei fazer a minha própria receita de batata rosti e incluir no blog.
Minhas lembranças da Suíça, país que não conheço, resumiam-se a estas refeições, alguns presentes e deliciosos pequenos chocolates trazidos de lá pelo pai do meu irmão. Esses chocolates tinham um sabor muito diferente dos que eu conhecia no Brasil, eram cremosos, tinham menos açúcar e gordura. Seu tamanho pequeno era muito semelhante ao de uma borracha escolar e, por isso, tínhamos que comer vários para satisfazer a minha voraz vontade pela sobremesa marrom. Claro que escondido da minha mãe, sempre vigilante e difícil de ser enganada.
O fato é que a infância para mim foi uma época de aventuras, sonhos e principalmente dentre elas, a paixão pela comida, seus sabores e aromas ainda que muito restritos ao de uma refeição de criança chata e que tem um cardápio pouco variado. E é assim que começa a história da torta de nozes que não é propriamente a minha história, mas da Anailuj. Nela, eu me tornei um ator coadjuvante, por pouco quase vingativo, pior ainda fui um mero observador de algo que me dava água na boca.
Quando eu tinha por volta de 13 anos, minha mãe levou meu irmão mais novo, à época com pouco mais de alguns meses, para conhecer seus avós paternos na Suíça. A encomenda da Anailuj foi criteriosamente lembrada como a única coisa que minha mãe não deveria se esquecer – a sua exclusiva torta de nozes suíça. De todo o resto ela abriria mão, até hoje não sei o porquê! Nem me lembro se eu pedi algo para mim.
O fato é que com o fim do passeio, antes de retornar para o Brasil, minha mãe foi fiel à encomenda e comprou em uma confeitaria suíça tradicional a torta de nozes da minha irmã, apenas uma torta. Durante o voo de volta, a torta veio em seu colo para evitar algum tipo de desastre à encomenda da coitada da sua filha predileta. Mal sabia minha mãe o mal que estava para acontecer. Imagine só minha mãe! Como ela é. Preocupada com uma torta ao ponto de trazê-la no próprio colo. Claro que algo iria dar errado. Mas não em suas mãos.
Com a chegada da encomenda no Brasil, minha irmã só comentava sobre a “sua” exclusiva torta de nozes, por sinal minúscula e que seria toda comida inteiramente apenas ela. Mas e eu? De acordo com minha irmã eu era um pré-adolescente sem o direito sequer a provar a iguaria suíça.
Na verdade, alguns dizem que cheguei a provar uma pequeníssima fatia de 2 cm de largura da torta que deveria ter uns 12 cm de diâmetro. De fato, não me lembro do sabor, apenas do cheiro que era permitido porque não tirava pedaço, assim como olhares que deixavam salivando. Por fim, talvez eu não queira me lembrar de ter provado por ter sido influenciado psicologicamente por minha irmã a não ter direito sobre uma fração da torta.
Anailuj sim. Ela comeu, deliciou-se. Ela sabe o real sabor, maravilhoso, dessa torta que viajou de tão longe, passando inacreditavelmente todo o tempo da viagem no colo da nossa mãe, infringindo tantas leis que hoje seria impossível trazer algo assim para o Brasil, haja vista a fiscalização e controle sanitário da Anvisa.
Com certeza ela me deve esta! E eu quero uma igualzinha!